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sexta-feira, 16 de março de 2012

Fernando Pessoa - Várias pessoas em um único poeta

Dia 14 de março foi o dia da poesia, e para prestar homenagem a esta data, resolvi escrever sobre Fernando Pessoa, poeta português que viveu por 47 anos e deu vida não só a uma poesia de beleza indiscutível, mas a personagens que emergiram de seu subconsciente, alter-egos, que como seres reais e de personalidades distintas, expressavam sentimentos e ideais diferentes dos seus, vindo a construir poesias e manifestações artísticas próprias.
Com estas personagens, Fernando Pessoa, falou de sentimentos que não eram seus, cada um de seus heterônimos tinham personalidade própria, distinguindo-se entre si e dele próprio.
E o que é um heterônimo? Diferente de pseudônimo, que são vários nomes para uma mesma pessoa; o heterônimo constituí-se de várias pessoas que habitando um único poeta. 
É possível que, Fernando Pessoa tenha criado dezenas de heterônimos e dentre eles posso destacar estes: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, os mais conhecidos e Bernardo Soares, podendo ser citado como um semi-heterônimo.

Vou apresentar-lhes as características de cada um desses personagens, trechos poéticos de sua obra, e finalmente, uma poesia de Pessoa, para finalizar com o grande mestre.

Alberto Caeiro:  era o mais objetivo dos heterônimos de Fernando Pessoa. Segundo o seu criador "Nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma, só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia avó. Morreu tuberculoso."

"Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.

Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés -
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ..."


Álvaro de Campos: (1890-1935) é o lado "moderno" de Fernando Pessoa e foi descrito por ele dessa forma "Nasceu em Tavira, teve uma educação vulgar de Liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Agora está aqui em Lisboa em inatividade"

"Sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,  
Espécie de acessório ou sobressalente próprio, 
Arredores irregulares da minha emoção sincera, 
Sou eu aqui em mim, sou eu. 
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. 
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. 
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim. 
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco inconseqüente, 
Como de um sonho formado sobre realidades mistas, 
De me ter deixado, a mim, num banco de carro elétrico, 
Para ser encontrado pelo acaso de quem se lhe ir sentar em cima. 
E, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco longínqua, 
Como de um sonho que se quer lembrar na penumbra a que se acorda, 
De haver melhor em mim do que eu. 
Sim, ao mesmo tempo, a impressão, um pouco dolorosa, 
Como de um acordar sem sonhos para um dia de muitos credores, 
De haver falhado tudo como tropeçar no capacho, 
De haver embrulhado tudo como a mala sem as escovas, 
De haver substituído qualquer coisa a mim algures na vida. 
Baste! É a impressão um tanto ou quanto metafísica, 
Como o sol pela última vez sobre a janela da casa a abandonar, 
De que mais vale ser criança que querer compreender o mundo  
A impressão de pão com manteiga e brinquedos 
De um grande sossego sem Jardins de Prosérpina, 
De uma boa-vontade para com a vida encostada de testa à janela, 
Num ver chover com som lá fora 
E não as lágrimas mortas de custar a engolir. 
Baste, sim baste! Sou eu mesmo, o trocado, 
O emissário sem carta nem credenciais, 
O palhaço sem riso, o bobo com o grande fato de outro, 
A quem tinem as campainhas da cabeça 
Como chocalhos pequenos de uma servidão em cima. 
Sou eu mesmo, a charada sincopada 
Que ninguém da roda decifra nos serões de província. 
Sou eu mesmo, que remédio! ..."



Ricardo Reis:  (1887-1936) representa a vertente clássica ou neoclássica da criação de Fernando Pessoa. "Nascido na cidade do Porto. Estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente desde 1919, indo viver no Brasil."

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, 
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros 
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.




Bernardo Soares: ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, onde viveu toda a sua humilde vida de empregado.

"Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam, 
e nunca reconhecem quando encontram,
daquelas que,
se elas as reconhecessem, mesmo assim não as reconheceriam.

Sofro a delicadeza dos meus sentimentos
com uma atenção desdenhosa. 

Tenho todas as qualidades,
pelas quais são admirados os poeta românticos,
mesmo aquela falta dessas qualidades,
pela qual se é realmente poeta romântico.

Encontro-me descrito (em parte) em vários romances
como protagonista de vários enredos;
mas o essencial da minha vida,
como da minha alma,
é não ser nunca protagonista."

Fernando Pessoa: (1988-1935) um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura universal. O poeta de múltiplas personalidades, dono de sua vida e mestre de sua obra.

AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas da roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.




3 comentários:

  1. Valeu pela indicação de sua postagem desse escritor Português que admiro muito, pois este escritor viveu a frente do seu tempo conseguia se fazer entender através de suas escritas do "Fernando Pessoa - Várias pessoas em um único poeta" belíssimo post gostei D+ (demais)...

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  2. Valeu Charles, Fernando Pessoa, é um excepcional escritor, um dos meus favoritos também... E é um prazer falar dele e de sua obra

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